Estou feliz, estou viva sem
dores, estou consciente, são quatro da tarde, o Sol brilha lá fora, a luz entra
escritório dentro.
Vejo o mar.
Hoje o dia está calmo.
Estou a escrever e não era de
todo o que devia estar neste momento a fazer, há Fevereiro para acabar, há
relatórios para entregar, há decisões para tomar.
Hey, para tudo.
Decisões. Decisões que são
escolhas e eis que me lembro que estar aqui a escrever sobre isto é uma escolha
e é algo que tenho adiado e adiado, porque acho que ninguém quer muito ouvir
falar da morte, nem ler, nem pensar nela, nem a confrontar, nem a imaginar. Nem
nada. Se nem conseguem falar da vida e encará-la quanto mais da morte.
Mas então viramos costas à única
certeza que temos? Viramos costas aos nossos direitos só porque nos arrepia
falar dos assuntos? Viramos costas e andamos aqui todos a achar que somos
eternos e que nos vamos ver livres das agruras e sofrimentos? Viramos costas à
nossa dignidade? Deixem-me que vos diga mas não encontro nada mais cobarde e
desrespeitoso pela nossa vida.
Fui durante algum tempo
cobarde por não me pronunciar sobre este assunto que a mim (e a todos) diz
respeito. Foram vários os pedidos para o fazer, e eu ignorei. Mas até quando?
Chamo-me Tânia Domingos tenho
uma doença rara mas que não é fatal para já, por isso calma que não é esse o
motivo que escrevo neste preciso momento. Escusam de me associar a doenças e
mortes que felizmente tanto quanto sei estou longe disso. Mas há uma parte que
nem eu, nem tu, nem ninguém sabe que é o que vai acontecer no dia de amanhã.
Chamo-me Tânia Domingos, sou
teimosa, tenho 25 anos. Mais de 20 operações e SOU A FAVOR DA EUTANÁSIA.
Fica aqui registado. É um assunto
muito melindroso, muito frágil nas abordagens e perspectivas. Um assunto onde valores,
como CONFIANÇA e CONSCIÊNCIA têm de estar bem presentes.
É preciso esmiuçar bem,
esclarecer muita coisa, controlar ainda mais, mas sim sou a favor da morte assistida
quando o sofrimento é imenso, quando todas as alternativas se esgotam, quando
começamos a vegetar.
Sempre abordei na minha vida
uma Medicina muito holística, quando estava no processo de perder a audição fiz
de tudo, de médicos, a terapeutas, de videntes a santos e claro era um processo
irreversível. A única solução era viver com isso. E... e vivo e sou feliz.
Sou a favor da eutanásia como
sou a favor da vida.
Todos os dias eu escolho
enfrentá-la com olhos vermelhos, alguma ginástica, algumas dores, alguns
limites mas enfrento-a e dá para eu VIVER a vida que quero, a que consigo e
ainda a que sonhei. Engano as dores que não são por aí alem, pelo menos na
minha escala e comparando com outras que já tive são mínimas, e por isso escolho viver com
dignidade, com verdade, a encarar o que tem que ser encarado e com a certeza
que não sou eterna e é mesmo por isso que eu vivo tão intensamente, tão feliz
nas pequenas coisas. E é também o motivo que não adio mais isto e escrevo.
Por isso eu peço uma morte
digna, quando as dores horríveis (e quem nunca teve dores de morte não percebe
o que é isto) se fizerem sentir, quando mal conseguir respirar, quando perceber
tudo o que está a acontecer, a ver que estou a deteriorar-me aos poucos, sem
movimentos, com a boca seca pelos medicamentos, sem conforto de posição, presa
a uma cama, sem soluções à vista, presa nos meus nervos, presa nas minhas dores
que matam aos poucos, presa para acabar o sofrimento.
Mereço escolher
conscientemente a altura em que não aguento mais aquelas dores que nos alucinam
onde sabemos não ser uma fase, onde sentimos que o fim está ali.
Deixem-me escolher. Eu deveria
ter esse direito, tantas as vezes que escolhi a vida. Todos os dias, escolhi a
vida.
Todos os dias eu escolho a
vida. Todos os dias eu também ajudo a viver.
E sei que não é fácil, eu sei
que isto é o pior de tudo, eu sei. Mas por favor, família e amigos que tão bem
me conhecem, não sei para que lado a lei se virará, mas aqui fica expressa a
minha posição se algum dia nela se tiverem de basear, porque aí se me ajudarem
a morrer mostram muito mais respeito por tudo o que foi o meu viver. E isso sim
é o mais importante para mim: VIVER e vocês sabem que é isso que tenho feito.
Vossa,
Nita
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