segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Chamo-me Tânia Domingos e sou a favor da Eutanásia


Estou feliz, estou viva sem dores, estou consciente, são quatro da tarde, o Sol brilha lá fora, a luz entra escritório dentro.

Vejo o mar.

Hoje o dia está calmo.

Estou a escrever e não era de todo o que devia estar neste momento a fazer, há Fevereiro para acabar, há relatórios para entregar, há decisões para tomar.

Hey, para tudo.

Decisões. Decisões que são escolhas e eis que me lembro que estar aqui a escrever sobre isto é uma escolha e é algo que tenho adiado e adiado, porque acho que ninguém quer muito ouvir falar da morte, nem ler, nem pensar nela, nem a confrontar, nem a imaginar. Nem nada. Se nem conseguem falar da vida e encará-la quanto mais da morte.

Mas então viramos costas à única certeza que temos? Viramos costas aos nossos direitos só porque nos arrepia falar dos assuntos? Viramos costas e andamos aqui todos a achar que somos eternos e que nos vamos ver livres das agruras e sofrimentos? Viramos costas à nossa dignidade? Deixem-me que vos diga mas não encontro nada mais cobarde e desrespeitoso pela nossa vida.

Fui durante algum tempo cobarde por não me pronunciar sobre este assunto que a mim (e a todos) diz respeito. Foram vários os pedidos para o fazer, e eu ignorei. Mas até quando?

Chamo-me Tânia Domingos tenho uma doença rara mas que não é fatal para já, por isso calma que não é esse o motivo que escrevo neste preciso momento. Escusam de me associar a doenças e mortes que felizmente tanto quanto sei estou longe disso. Mas há uma parte que nem eu, nem tu, nem ninguém sabe que é o que vai acontecer no dia de amanhã.

Chamo-me Tânia Domingos, sou teimosa, tenho 25 anos. Mais de 20 operações e SOU A FAVOR DA EUTANÁSIA.

Fica aqui registado. É um assunto muito melindroso, muito frágil nas abordagens e perspectivas. Um assunto onde valores, como CONFIANÇA e CONSCIÊNCIA têm de estar bem presentes.

É preciso esmiuçar bem, esclarecer muita coisa, controlar ainda mais, mas sim sou a favor da morte assistida quando o sofrimento é imenso, quando todas as alternativas se esgotam, quando começamos a vegetar.

Sempre abordei na minha vida uma Medicina muito holística, quando estava no processo de perder a audição fiz de tudo, de médicos, a terapeutas, de videntes a santos e claro era um processo irreversível. A única solução era viver com isso. E... e vivo e sou feliz.

Sou a favor da eutanásia como sou a favor da vida.

Todos os dias eu escolho enfrentá-la com olhos vermelhos, alguma ginástica, algumas dores, alguns limites mas enfrento-a e dá para eu VIVER a vida que quero, a que consigo e ainda a que sonhei. Engano as dores que não são por aí alem, pelo menos na minha escala e comparando com outras que já tive são mínimas, e por isso escolho viver com dignidade, com verdade, a encarar o que tem que ser encarado e com a certeza que não sou eterna e é mesmo por isso que eu vivo tão intensamente, tão feliz nas pequenas coisas. E é também o motivo que não adio mais isto e escrevo.

Por isso eu peço uma morte digna, quando as dores horríveis (e quem nunca teve dores de morte não percebe o que é isto) se fizerem sentir, quando mal conseguir respirar, quando perceber tudo o que está a acontecer, a ver que estou a deteriorar-me aos poucos, sem movimentos, com a boca seca pelos medicamentos, sem conforto de posição, presa a uma cama, sem soluções à vista, presa nos meus nervos, presa nas minhas dores que matam aos poucos, presa para acabar o sofrimento.

Mereço escolher conscientemente a altura em que não aguento mais aquelas dores que nos alucinam onde sabemos não ser uma fase, onde sentimos que o fim está ali.

Deixem-me escolher. Eu deveria ter esse direito, tantas as vezes que escolhi a vida. Todos os dias, escolhi a vida.

Todos os dias eu escolho a vida. Todos os dias eu também ajudo a viver.

E sei que não é fácil, eu sei que isto é o pior de tudo, eu sei. Mas por favor, família e amigos que tão bem me conhecem, não sei para que lado a lei se virará, mas aqui fica expressa a minha posição se algum dia nela se tiverem de basear, porque aí se me ajudarem a morrer mostram muito mais respeito por tudo o que foi o meu viver. E isso sim é o mais importante para mim: VIVER e vocês sabem que é isso que tenho feito.

Vossa,

Nita

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