Tenho vertentes, tenho fases, tenho opiniões. (Às vezes todas se
contradizem.)
Tenho inconstância, impermanência, intensidade e verdades que se atropelam
de tal modo que ficam imperceptíveis.
Tenho medos e tenho sonhos.
Hoje simplesmente tive algo aqui dentro que me fez viver um dia de luxo.
É sabido que ando sempre a correr, que sou teimosa, ambiciosa e quero fazer
tudo ao mesmo tempo.
Mas hoje, depois de ler o texto - com olhos de ler, coração de sentir - da
Vanessa, questionei-me se eu andava a correr para o lado certo e se era para
ser feliz?
A maior parte do tempo, sem duvida alguma que é. Mas às vezes a ambição e o
sucesso tornam-nos mais egoístas e solitários. Passamos dezenas de horas a
trabalhar, focados em resultados e esquecemo-nos que existe outra parte, a
parte mais importante: o amor pelos nossos.
É que às vezes, tantas vezes, tantas mais vezes do que deveria ser, neste
mundo tão apressado, somos marionetas do sistema e do tempo e perdemos algum do
foco do que é verdadeiramente essencial.
A perda da Leonor ao longo dos meus 25 anos foi a que mais me custou, a
mais próxima emocionalmente, quando me chateei com as injustiças da vida, com o
facto de existir vários tipos de ganhar e de vencer batalhas e quando adquiri
uma aprendizagem imensa acerca desta passagem.
Num destes dias, sentada no sofá branco-da-paz da casa da Vanessa, que é
uma espécie do nosso confessionário, falávamos da perda, falávamos da coragem,
das saudades, do luto e das maneiras diferentes de o fazermos. Acabamos com
lágrimas nos olhos, corações apertados, admirei ainda mais a Vanessa. Admirei
ainda muito mais a Vanessa. Repito. Admirei porque se concentrou sempre na
gratidão de ser a mãe de alguém tão especial como a Leonor, que a trouxe com
ela no coração e que vivem duas almas no corpo da Vanessa, duas vidas, duas
pessoas. Sempre falámos no presente, nunca escondemos qualquer receio, nem
qualquer medo, nem qualquer fragilidade. Sem capas, sem relógios, sem máscaras.
Falava com lágrimas nos olhos e a sorrir. Não lamentava directamente a
perda, agradecia ter sido a escolhida para mãe de um ser tão mágico.
Admirei-a mais que nunca.
As saudades escapavam-lhe em forma de lágrimas de sal e voz embargada, mas o sorriso sempre presente, a abordagem de
que para a ter perdido nesta dimensão, foi porque a gerou e mais… agora ficou
nela. Junto a ela para sempre.
Acho que nenhuma de nós percebeu a profundidade desta conversa, teve de vir
a chuva, as noites longas, o frio na barriga, a leitura do post de ontem para
eu ir de encontro e confronto aos meus maiores monstros: perder as pessoas que
amo. Mais, não saber “aproveitá-las amando-as” enquanto estão perto.
Às vezes penso como seria a minha vida sem X ou Y, aliás a carga emocional
que meto nas mensagens já expressa bem isso. Eu não me deito chateada. Dou o
braço a torcer tanta vez. Dizem-me para não confiar, para ter cuidado, para
isto e para aquilo. Mas o que vem a ser isso? Não é por nos protegermos tanto
que a vida nos vai dar motivos para ser mais feliz. Às vezes acontece
precisamente o contrário.
Eu sei, eu soube, eu aprendo, eu aprendi desde muito cedo que isto é uma
passagem e é curta. Não estamos livres de partir nem com cinco, nem com cem.
Estamos todos, sem qualquer excepção, destinados ao mesmo.
E tudo isto para vos dizer que hoje, hoje mesmo eu tive um dia de luxo.
Acordei com mails carregados de problemas (os normais e mesmos de sempre das
empresas), acordei e tinha de sair de casa às sete e meia, com os problemas
para solucionar demorei-me e atrasei-me para a primeira reunião do dia. E hoje a
única.
E sabem o que aconteceu depois? E sim, sou uma privilegiada por ter
liberdade profissional para o fazer, cancelei tudo o que tinha de manhã e mesmo
às onze horas era preciso urgentemente coisas para ontem e eu mantive-me em
paz.
E o que fiz? Fui ter com os meus avós com uma calma tão grande que até eles
estranharam. Abracei tanto a minha avó. Tomamos o café da manhã juntas, resolvi
alguns assuntos profissionais no telemóvel de modo a ter tempo para que pudesse
estar ali depois mais consciente da beleza do momento, da fraternidade e do
encanto que é beber o café da manhã com paz e alegria com a vovó.
Nunca esquecerei este dia.
Ela estranhou tanto a minha leveza que até me perguntou se não estava
atrasada. Não avó, não me apetecia fazer mais nada a não ser estar ali contigo
a falar de tudo e a falar de nada, a consciencializar-me que não há nada mais
importante que isto beber da tua presença, alimentar-me do teu amor. Porque eu
sei que no dia em que não te puder abraçar, a ti, ao avô, ou aqueles que amo,
vou também agradecer teres sido a minha avó de sonho, mas que poderia ter
aproveitado melhor e andei às vezes a correr demais, a ser feliz noutras
coisas, quando me bastou tu com saúde, uma chávena do teu leite com café, o teu
abraço, o sorriso e paciencia do avô e o meu coração cheio de amor e gratidão.
E voltei ao trabalho às 15, e o que aconteceu? NADA. Está aqui tudo na
mesma à minha espera. Eu é que não sei se um dia a vida espera para eu abraçar
mais, aproveitar e amar melhor.
Tive um dia de luxo.
Feliz,
Nita
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